O luto diariamente vivido por um País já demasiado nervoso e desiludido com o seu futuro foi repentinamente saturado com a inesperada e não anunciada perda de uma das suas principais referências: Eusébio da Silva Ferreira. Esta anestesiante notícia, que nos recorda que também os Deuses vivem como mortais antes de se sentarem à mesa do Olimpo, foi aproveitada pelo Governo para alongar o estado de narcotização geral com três dias de luto nacional. Medida justificada, mas bem aquém da imagem da Pantera Negra como elemento aglutinador de uma certa imagem de identidade nacional e de certo modo injusto para quem foi vendido durante décadas como exemplo apurado da ideia de um Portugal pobre mas honrado, civilizador e promovedor de uma limitada ascensão social (ou económica) com base no mérito dos talentos individuais e no dedicado trabalho árduo, áreas ideológicas bem confortáveis no seio deste Governo. Em todo o caso, a morte de Eusébio não nos faz esquecer que o País já se encontrava anestesiado com a visão de mais um ano perdido, fustigado pelos ataques aos seus nervos (e bolsos) e cansado de ser tratado como tolinho malfadado e indigente sem capacidade de discernimento ou apreciação crítica da realidade, isto enquanto a sua elite política se delicia com fados e corridinhos de entretenimento cortês e de conservação do status quo.
Do lado da Situação, o Governo – prometido de estabilidade e de caminho definido – além de demonstrar publicamente uma preocupante alienação em cada apreciação do estado geral do País, parece só se entreter com as desafinadas guitarradas que acompanham o Fado do empossado que música as terceiras, quartas e quintas escolhas que hoje enchem Secretarias de Estado e ministérios, transformando os membros do governo não nos cromos prateados que no passado com custo eram adquiridos, mas em autocolante banais, repetidos e de troca fácil. Felizmente que só Eusébio merece estátua em vida, senão decerto muitos seriam os jotinhas a trocar uma nomeação oficial por um busto mal parido mas bem colocado em rotunda de boa visibilidade e de trânsito garantido. Já a oposição, perdida no paradoxo da convergência pulverizada, parece convencida que a prometida unidade e desejada alternativa governamental se obtêm e constrói na soma de anúncios públicos de projectos não-divergentes e da contagem dos cromos que se repetem nas recauchutadas cadernetas regularmente produzidas pela esquerda nacional, ficando por explicar anatureza do estranho fenómeno que persiste em dispersar gente que deveria já saber (há muito) se congregar.
E enquanto a elite se entretêm com estas sonatas mudas, o Povo musica-se com outros sonidos, pensando se terá uma vez mais forças para enfrentar tudo de novo. Sem Homem do leme à vista, remam remam desconjuntadamente o mesmo barco Grego, vendo o futuro negro como a noite, suspirando ofegantemente por uma espera demasiado longa. Contra tudo lutam, contra tudo falham. Sonham deixar a vida atinada, mudar de roupa e soltar o cabelo, dormir no carro nu em pelo, pegar nas guitarras e fazer-se à estrada. Digam então olá à vida malvada. Xutem e pontapeiem os dados viciados que sustentam uma incestuosa classe governante que incha sugando o nosso sustento. Há muito que fazer em 2014.
(publicado a 6 Janeiro 2014)
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