Um dos pontos de tensão paradoxal dos sistemas democráticos contemporâneos é o que se encontra entre a capacidade da intervenção das instituições políticas – governos, partidos, movimentos sociais organizados – e as transformações civilizacionais decorrentes da capacitação colectiva e da educação cívica. Paradoxal porque, se por um lado – e indevidamente – a sociedade institucionalizada procura todas as oportunidades para se apropriar da energia que genuinamente brota da sociedade civil; por outro essa mesma energia deriva das condicionantes educativo-institucionais proporcionadas pelo próprio sistema.
Assim, por exemplo, todo o processo de capacitação da sociedade em entender e aceitar a sua própria diversidade é, naturalmente, produto da intervenção político-educativa (e legislativa) e consequência de um conjunto de políticas públicas que, nas últimas décadas – e provenientes de diversos quadrantes políticos - têm procurado atacar a discriminação jurídica (e social). Neste sentido, o produto final de toda a acção político-institucional não pode nem deve ser somente a gestão diária da espuma da pequena politiquice, embrulhada em briefings narcisístico-governamentais e planeada para directos e produtos noticiosos pret-à-porter de entrada garantida nos telejornais e redes sociais.
Mas como infelizmente a nossa contemporaneidade encontra-se manietada pelo condicionamento e controlo informativo por parte de quem não pretende mais do que a manutenção do status quo, temos assistido antes à tentativa de perpectuação de um estado geral de letargia social que valida e legitima um paradigma que pretende atomizar a sociedade e consagrar as matrizes sistémicas definidas em reuniões de G-8, G-20 ou quaisquer outros encontros de alto nível, públicos ou não. Matrizes sempre associadas a leituras internacionalistas assentes no primado da finança e da economia sobre o social e educacional. Curiosamente, e novamente de forma paradoxal, assistimos à proliferação – individual e colectiva – de processos lentos de sedimentação de novos conceitos, de novas formas de ver o mundo e a vida em sociedade. Processos não detectados pela sociedade comunicacional, mas visíveis nas nossas rotinas diárias ou em cada protestos espontâneo de simbolismo cívico. Processos que acrescentam tensão ao sistema, pois acentuam a distância entre as instituições e a sociedade.
A meu ver esta tensão pode começar a ser libertada se as instituições deixarem de se focar apenas na sua visibilidade informativa e se desligarem da intervenção política de exclusivo benefício político-eleitoral e se focarem antes – de forma genuína e altruístas - em contribuírem para a edificação de uma sociedade mais inclusiva, equitativa e justa. Infelizmente, tal altruísmo cívico-político é dificilmente encontrado em Portugal, o que apenas contribuirá para que se acumule (ainda) mais tensão na sociedade, com inevitáveis danos à qualidade da nossa democracia e à nossa capacidade em entender o futuro.
(publicado a 2 de Julho 2013)
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