Quem, desatento ou desinformado, ligasse o televisor no último domingo decerto ficaria impressionado com o discurso articulado, bem estruturado e apresentado por quem parecia ser o primeiro-ministro de Portugal.
Um discurso construído em torno de uma análise comparada e prospectiva em relação à practica governamental dos últimos dois anos, e cujas principais preocupações prenderam-se com a urgência de devolver a Portugal a sua soberania plena, retirar o País do estado de protectorado em que vive e expulsar o quanto antes a força ocupacionista da ‘troika'. Um discurso nacionalista e anti-europa q.b., de defesa da Nação e da independência nacional, inquieto com a extrema-direita e com os populismos europeus, e polvilhado aqui e ali de preocupações de índole social, justificadas pelo uso e abuso de conceitos e valores democratas-cristãos. Um discurso já conhecido, aliás, muitas vezes transmitido nos emissores da velhinha Emissora Nacional que, por alturas da sua inauguração (1935), frequentemente contrapunha os benefícios da uma certa Democracia-Cristã (então em deriva autoritária e corporativa) aos ventos de extremismo europeu.
Em todo o caso, o discurso de Estado comunicado este domingo, de solene protocolo, seria digno de figurar nos arquivos e anais ministeriais não fosse o seu locutor, afinal, apenas figura segunda no organograma governamental, sem o peso institucional que o permita perante o País apresentar-se como timoneiro agregador do descontentamento da alma popular, nem com direito moral ou ético de só agora vir falar o que tantos lhe tem pedido para dizer. O silencio não compra absolvição, alguém deveria informar o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, que é tão cúmplice no estado actual de insolvência social como os que domingo denunciou; mas comprou-lhe protagonismo barato, comprovado na pressa com que os bardos oficiais do regime louvaram a intervenção, qualificando-a de profissional, clara e convicta, em claro desprezo para com o verdadeiro indigitado para tutelar o governo de Portugal.
E a verdade é que, demonstrando toda esta ‘finesse', o senhor que por fim se dignara a partilhar com a Nação o seu pensamento sobre o estado anémico do País, guardara para o final as razões para tal aplauso performativo, transmutando-se abertamente, qual encapuçado profissional, de responsável político com plano bem definido, em líder consciente e apreensivo do partido minoritário de uma coligação governamental, definindo com clareza pública os limites de antecipado divórcio com o seu abusivo e socialmente inconsciente parceiro de Governo.
Isto enquanto vestia farda de populista de primeira-água, defendendo ferozmente pobres e idosos, e distribuía beijos e abraços ao alto magistrado da Nação e ao líder do principal partido da oposição, a este apresentando minuta pré-nupcial e condicional à sua participação em futuro governo, e àquele a firmeza de estadista desprendido do poder, apenas preocupado com o rumo da Nação, com o bem-estar social e com a coesão nacional. E a ironia de tamanha performance é pensar que este guião poderia ter sido adaptado aos fatos de liberais, conservadores e populistas que Portas guarda no armário. Tudo para que alguém um dia lhe possa dizer: "sim, senhor primeiro-ministro".
(artigo publicado no Diário Económico de 7 de Maio de 2013)
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