Os episódios da última semana transportaram-me para um país que julgava ido, ultrapassado, retido no tempo em que Portugal debatia as características da sua consolidação democrática. Recordaram-me as tardes e noites passadas no saudoso Estádio da Luz, quando era delicatessen obrigatória de qualquer menu de derby nacional assistirmos ou sermos envolvidos em deprimentes e desnecessários confrontos entre um par de hooligans bem identificados e a polícia, primeiro, e a polícia e toda a gente (novos, velhos, mulheres ou crianças), depois. Na altura os estádios eram albergues baratos para arruaceiros de toda a espécie que, organizados ou não, e escondidos nas malhas associativas, provocavam a policia e os adeptos adversários até à chegada pontual do esperado arraial de pancadaria.
Nas dezenas de confrontos a que assisti nunca soube quem tinha atirado a primeira pedra, e a bem da verdade em muitas ocasiões era a própria instituição responsável pela nossa segurança pública quem provocava a oportunidade para libertar o açaime dos agentes do corpo de intervenção (os famosos CI’s). Os mesmos CI’s que encontrávamos, enjaulados em carrinhas mal disfarçadas, pelas vielas do Cais do Sodré e do Bairro Alto sedentos por aliviar a adrenalina sobre um par de maduros bem bebidos ou meia dúzia de miúdos charrados, que patrulhavam as ruas do Algarve arriando porrada em bifes distraídos e que mais tarde transformaram o buzinão da Ponte 25 de Abril num amuse-bouche salazarista. Essa era a polícia da minha meninice, a polícia cavaquista: mal formada, mal comandada e mal preparada para existir num regime democrático; sempre disposta a bater primeiro, indiscriminadamente, e apurar as causas para tal intervenção depois.
Passaram-se os anos e melhorou-se substancialmente a relação entre a população e as forças policiais. Formaram-se novos quadros, desenvolveram-se novas estratégias de intervenção policial e maturaram-se tácticas de intervenção cívica que transformaram a PSP em instituição friendly, tranquila e (quase) progressista. Mas, como mudam-se os tempos (e mudam-se as vontades), desde que o XIX governo tomou posse que temos assistido a um perigoso retrocesso na relação entre as forças de segurança e os cidadãos que juraram proteger. Hoje, refém de um governo (e de um Ministro) que entende que a noção de ordem pública passa por limpar as ruas à bastonada, a PSP deixou de velar pela nossa segurança colectiva, transformando-se de uma força de progresso em instituição que motiva a desconfiança e o temor.
Assim, pouco importa quem nesta famigerada quarta-feira atirou a primeira pedra, porque a origem da violência tem cara conhecida e morada registada: proveio de São Bento e do gabinete do MAI. E quando um governo depende da violência para dissipar o protesto popular, quando legitima o seu poder através do abuso do monopólio da violência concentrado nas instituições que comanda, é porque se desligou da função de governar em prol da sua população. E em democracia este tipo de governos (já) não são tolerados.
(artigo publicado a 20 de Novembro de 2012)
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