As maciças manifestações de 15 de Outubro dotaram os diversos movimentos de “indignados” de uma visibilidade colectiva incomum de alcance mundial.
De Lisboa a Nova Iorque, do Porto a Madrid, milhões de cidadãos civicamente activos saíram à rua para demonstrar o seu ruidoso protesto contra "o sistema". A uni-los um sentimento de fim de ciclo, de falência sistémica e de anti-oligarquia partidária, consagrado nas principais palavras de ordem: ‘mais e melhor democracia'.
Naturalmente que é necessário matizar esta indignação, entender as particularidades e nuances de cada manifestação e perceber as diferentes motivações de cada caso; sendo muito diferentes os protestos politicamente homogéneos dos socialmente plurais e diversificados. Em todo o caso, julgo ser evidente que existe uma larga camada da população que, bem informada e civicamente capacitada, se insurge contra a (má) gestão da Res Publica e contra a imóvel estrutura político-partidária, incapacitada de dar resposta às demandas do novo milénio. Neste sentido, e pela falta de interlocutores institucionais válidos (leia-se partidos políticos) a indignação colocam-se com facilidade na margem do sistema.
Duas macro-dimensões ajudam a entender a falta de resposta dos partidos ‘mainstream': o consenso europeu construído em torno das grandes forças políticas da União (sociais-democratas, democratas-cristãos e liberais) e a manutenção de um modelo de organização partidária ultrapassado.
O consenso europeu tem impedido de construir uma cultura de intervenção política que, à falta de conflito, remete muita da intervenção partidária para os bastidores das instituições europeias. Significa isto que a oposição de centro-esquerda invés de se apresentar como alternativa política à Comissão Europeia, apresenta-se aos olhos da opinião pública como co-responsável pelo actual conjunto de políticas de austeridade, como foi bem evidente no caso português.
Por outro lado, a falta de adaptação às novas condicionantes sociais e políticas do milénio tem incapacitado muitos partidos de esquerda de representar as novas dinâmicas emergentes, ocupados que estão em promover oligarquias internas institucionalmente auto-representativas e de exclusiva socialização política intra-partidária, afastando totalmente das suas instituições as novas formas de cidadania activa.
Ora parece-me que cabe à esquerda iniciar um crítico processo reflexivo que tome em consideração estes pontos. Neste sentido, penso que a actual direcção do PS pode estar no bom caminho ao considerar o chumbo do OE (e o rompimento do acordo com a Troika) e prometer uma importante revisão estatutária que visa modernizar as suas estruturas e reactivar a ligação com a sociedade. Resta saber se o PS será capaz de enquadrar o seu seio estas novas dinâmicas sociais, construir alternativas programáticas aos actuais paradigmas de governação e promover um novo conjunto de actores, mais próximos das pessoas e da rua e provenientes de novas formas de socialização política.
Já tenho escrito nestas páginas sobre a necessidade de substituir a actual Comissão Europeia por uma alternativa alargada de esquerda que procure outras soluções para o actual quadro de crise. Esta alternativa, política, terá de considerar as reivindicações da presente geração de protestos, enquadrá-las num programa político consistente e construir uma candidatura válida a 2014.
No entanto, tem faltado no espaço europeu um discurso aglutinador e organizado, o que, e de forma indirecta, tem contribuído para a legitimação da narrativa nacionalista que hoje domina culturalmente a Europa. Tal acontece porque partidos e movimentos sociais ainda se encontram condicionados por factores endógenos - intra-nacionais – relacionados com o impacto da crise e com as faltas de soluções políticas em determinado país, sendo por isso mais cómodo organizarem-se em torno de narrativas nacionais.
Ora, na realidade os factores condicionantes que impulsionam o descontentamento social não podem serem apenas considerados locais. São-no pelo menos, de alcance europeu. Ou seja, os motivos que levam para a rua milhares e milhares de portugueses são, com poucas distinções culturais, partilhados com gregos, irlandeses, italianos, franceses ou ingleses.
A falta de uma opinião pública europeia consolidada, a ausência política dos partidos políticos europeus e a natureza orgânica de muitos movimentos sociais (por vezes mais ficção que realidade) ajudam a explicar a falta de uma resposta integrada e a construção de um discurso coerente e partilhado que se apresente alternativo e validado socialmente. E neste sentido urge – em minha opinião – solidificar as relações entre estas três dimensões, para que a necessária mudança intra-sistémica possa ocorrer dentro de um quadro reformista legitimado.
Por diversas razões não temos sabido construir uma opinião pública europeia. Não existem jornais ou canais de televisão europeus e o que mais se assemelha a um espaço de partilha cívica europeia são as redes de contactos pessoais concentradas nas redes sociais (nomeadamente no Facebook), o que é manifestamente insuficiente para a edificação de uma consciência colectiva partilhada. Por outro lado, a tradição orgânica de muitos movimentos sociais, que por razões quase ideológicas se recusam a aceitar a normalidade institucional, também tem impossibilitado a construção de ligações mais eficazes e prospectivas. E assim, curiosamente, resta aos partidos políticos europeus, consagrados institucionalmente, saberem actuar no quadro da União e responderem às novas exigências, nomeadamente aos de esquerda.
Ora o paradoxo é que hoje em dia as estruturas partidárias fazem mais parte do problema do que da solução, e motivam – muitas vezes com razão – a desconfiança da sociedade civil engajada. Saber como resolver este busílis é a peça fundamental para procurar a reforma da República europeia. E a responsabilidade de tal, repito, encontra-se na esquerda europeia. Não o fazer pode significar o fim do projecto europeu e o retorno definitivo a uma Europa nacionalista, fechada e passadista. Um regresso ao século XIX em pleno século XXI.
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