Vivemos, 37 depois do 25 de Abril, tempos de grande inquietação e incerteza. De grandes dúvidas. Para os mais pessimistas, Portugal assiste mesmo ao fim de um ciclo, ao ‘fim da história’; enquanto outros recordarão o general que dizia a Roma que o povo Lusitano “não governa nem se deixa governar”.
Alguns argumentos terão estes críticos, afinal o nosso país assistiu recentemente à entrada em cena do FMI, que virá controlar e organizar as nossas finanças e condicionar a acção política autóctone, transformando Portugal num "país à rasca". Mas falharam, de facto, os nossos governantes, ou estaremos perante uma característica endémica do nosso povo? Ou, como bem recordava o padre Manuel Antunes, a ser governados "mais pelos nossos defeitos do que pelas nossas qualidades, mais pelos defeitos das nossas qualidades que pelas qualidades dos nossos defeitos"?
Independentemente das leituras mais negativas ou pessimistas, das teorias da conspiração internacional e dos jogos da culpabilização interna, a verdade é que hoje urge reflectir e perspectivar o estado da Nação, à luz dos recentes desenvolvimentos. É verdade que a situação da fazenda pública é gravíssima, que vivemos durante demasiado tempo acima das nossas possibilidades e que, por mais avisos que fossemos tendo, pouco ou nada soubemos fazer para alterar o rumo adivinhado.
Há culpas? Claro que sim. E estas deverão ser distribuídas por toda a sociedade, dos políticos à população em geral. Afinal, todos beneficiaram da entrada na Europa, do acesso ao crédito fácil. Portugal queria mudar de vida. Ocidentalizar-se. Desenvolver-se. Consumir. E as ambições de um país foram colectivamente partilhadas. Nas auto-estradas e nos hospitais, nas casas, nos automóveis e nos cursos universitários. Nas novas escolas e aeroportos, nas segundas casas (na praia), nos telemóveis e nos plasmas. E a todos entusiasmaram os resultados instantâneos. A todos.
E assim fomos vivendo. Durante décadas. E, como a fábula da formiga e da cigarra, não conseguimos preparar o inverno inevitável. Não conseguimos entender que o Estado, e as nossas vidas pessoais, estavam mal organizadas. Cheias de desperdícios, de ambições desmesuradas e, pior, respondiam a um estilo de vida novo-rico sem conteúdo e apenas forma. Hoje entendemos, quando já não temos dinheiro para pagar contas, que talvez o plasma seja desnecessário, ou que 5000 Freguesias sejam demasiadas, apenas para citar dois exemplos evidentes. Há que mudar de vida, novamente.
Assim, nestes dias de Abril, recordo o que já antes conseguimos imaginar. Da pujança e vontade que partilhámos. Do sonho infinito que desenhámos. Há 37 anos fizemo-lo real. Depois adormecemos, novamente. Hoje, saibamos renovar Abril, exigir mais e saber cumprir. Com rigor e competência. Nas nossas vidas privadas e colectivas.
No último conclave do PS, realizado sob o signo da unidade e da aclamação ao líder, os discursos de José Sócrates definiram o tom socialista da pré-campanha em curso: ataque às alternativas desenhadas pela oposição e defesa da agenda do governo.
Foi naturalmente um congresso aclamador e unitarista, encenado para o lançamento da pré-campanha, e com o propósito de colocar os socialistas na ‘pole position' da mesma. Aliás, não se esperaria diferente. Hoje, infelizmente, a maioria dos congressos partidários, em especial de Partidos no Governo, têm estas características e, por muito saudosistas que sejamos de congressos ‘à antiga', a verdade é que as modernas técnicas da comunicação política obrigam a que estas reuniões extravasem o debate intra-partidário e comuniquem com todo o eleitorado.
Duas ideias sintetizam o tom apresentado pelo secretário-geral do PS: a da responsabilização da crise, que na visão socialista cabe aos partidos da oposição (fruto da rejeição do PEC 4 na Assembleia da República) e a do contraponto entre a governação socialista e uma aventura liderada pelo PSD, dimensão que engloba a avaliação do carácter dos dois líderes e das propostas conhecidas dos dois partidos.
Aparte as leituras sobre a responsabilidade de quem terá tido mais ou menos culpas na actual situação política nacional (até porque sinceramente delas ninguém poderá verdadeiramente esquivar-se), Sócrates procurou identificar o que poderá ser um debate interessante nestas eleições: que funções, hoje, deve ter o Estado neste cenário de crise económica e financeira mundial? E para o realçar individualizou as áreas da Saúde e da Educação, bem como a proposta de Passos Coelho para a privatização da Caixa Geral de Depósitos.
Este é um debate entre uma visão liberal e minimalista da sociedade, defendida por Passos Coelho, que pretende um Estado reduzido e com funções quase restritas às áreas da segurança e da representação externa (até porque as áreas económicas e financeiras estão cada vez mais em Bruxelas); e uma socialista moderna que entende que o Estado deve estar presente em mais áreas (nomeadamente nas sociais) e garantir, por exemplo, o acesso livre aos serviços de saúde e educação. E apesar de ser expectável que o PSD procure justificar esta visão minimal com o actual estado da economia portuguesa, na realidade estamos perante duas visões ideológicas bem distintas da sociedade.
Ou seja, mesmo com uma campanha condicionada com a aprovação prévia de um conjunto de medidas impostas pelo recente pedido de auxílio estrangeiro e com um ambiente de alta crispação entre os principais actores políticos, poderemos ter a oportunidade de promover este debate, há muito adiado. E até colocar alguma ideologia no subtexto das próximas eleições, o que as tornaria bem mais interessantes.
Passadas as primeiras leituras em relação ao estado actual da política portuguesa, que só tem culpados, interessa-me apreciar o comportamento do PS e do seu líder à luz da próxima campanha eleitoral.
O PS, e o Governo, têm-se apresentado, nesta crise, quase exclusivamente como vítima. Vítimas com "sentido de Estado", e que tudo têm feito para governar o país à luz das condicionantes externas e das directrizes de Bruxelas. E serão estas as principais linhas que José Sócrates, e os socialistas, seguirão na próxima campanha eleitoral, acrescidas de ataques directos e pessoais à oposição e aos seus líderes.
Entende-se esta opção. É, afinal, a matriz do discurso apresentado pelo Governo neste mandato e a estratégia que menos recursos requer, necessitando apenas da intervenção de um curto conjunto de homens-fortes (homens, enfatizamos) devidamente calejados, muito marketing político e ‘spin'.
Mas teria o PS outra alternativa? Julgo que sim. O PS poderia aproveitar esta campanha para, finalmente, introduzir uma dimensão europeia, pedagógica e crítica no seu discurso, aproveitando para virar à esquerda e valorizar o conjunto de medidas progressistas deste Governo. Dificilmente venceria as próximas eleições, entenda-se, mas colocaria os socialistas mais confortáveis com a sua tradição e cultura e perspectivava um caminho no cenário pós-Sócrates.
Um discurso europeu e pedagógico permitiria explicar aos portugueses, de forma simples e entendível, quais as regras da política actual. Dizer, claramente ao eleitorado, que apesar de irmos votar para um governo nacional, parte da nossa soberania encontra-se de facto em Bruxelas, e não em Lisboa (nomeadamente nas dimensões económicas e financeiras), e que por mais que qualquer governo nacional esteja contra o Berlaymont, pouco poderá fazer para o contrariar.
Conjuntamente poderia desenvolver uma postura crítica em relação à Comissão Europeia, reconhecendo a UE como uma entidade política, movida por pressupostos ideológicos, no caso neo ou pós-liberais, e não uma instituição "neutra". Neste caso, o PS deveria aproveitar para enfatizar o conjunto de propostas alternativas desenvolvidas no campo da família socialista europeia, naturalmente realçando que o momento para este debate será em 2014, altura da eleição de um novo parlamento e governo (leia-se Comissão) europeu.
Uma posição assim crítica libertaria o PS da sua excessiva deriva ao centro e à direita e permitir-lhe-ia, novamente, apresentar-se como de esquerda. E uma vez neste campo, poderia recordar o conjunto de políticas progressistas que nos últimos anos tem promovido, em especial na área da igualdade, onde hoje Portugal se pode orgulhar de ter conseguido construir uma sociedade mais justa e tolerante, com um conjunto de leis e políticas públicas que dão exemplos ao mundo.
Naturalmente que esta estratégia é muito mais exigente que a actualmente seguida pelos socialistas. Requeria mais protagonistas, mais conteúdo e mais partido. Condicionantes hoje escassas para a elite do Largo do Rato.
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