A direcção do Partido Socialista decidiu, finalmente, apoiar a candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República.
É uma declaração que acaba por pecar por tardia - e que permitiu a constituição de uma candidatura alternativa com o suporte de muitas figuras e algumas estruturas do PS -, pois deveria ter sido proferida logo em Janeiro, imediatamente após a apresentação da candidatura do poeta-político. Sócrates acabou assim por entender que tinha de apoiar Alegre, resignando-se ao patrocínio de uma solução afastada da sua linha política.
Claro que esta serôdia decisão só demonstra como a actual direcção socialista preparou de forma defeituosa o ‘dossier' presidencial. Era bem claro, desde 2006, que Manuel Alegre seria novamente candidato; pelo que os socialistas tiveram tempo de sobejo para encontrarem uma solução alternativa mais próxima das intenções da actual direcção. Não o fizeram, provavelmente, porque não encontraram candidato credível proveniente da área governativa que estivesse disponível para avançar para Belém; o que acaba por demonstrar que o Governo não consegue projectar a sua influência para além dos jardins de São Bento.
O apoio do PS a Alegre fecha então os candidatos à esquerda, faltando apenas o anúncio da figura ligada ao PCP. Grande parte do PS e Bloco apoiam Manuel Alegre, o PCP apresentará candidato próprio e uma pequena parte do PS apoia Fernando Nobre. Resta, nesta altura, saber qual a composição à direita.
No início do ano, Cavaco era o candidato natural e recebia unanimemente o apoio sentido de toda a área à esquerda do PS. Hoje, curiosamente, o Presidente em exercício tem vindo a perder apoios: Manuela Ferreira Leite já não é líder do PSD; e algumas das suas recentes decisões - nomeadamente as relacionadas com a validação do aumento de impostos por parte do Governo e com a ratificação da Lei do casamento entre pessoas do mesmo género - têm alienado parte da direita liberal e da direita conservadora. Em termos práticos, isto significa que as actuais direcções do PSD e do CDS não se encontrem totalmente satisfeitas com a actuação presidencial; e se Passos Coelho não tem margem para promover outro candidato, já Paulo Portas se tem desdobrado em louvores a Bagão Félix, procurando neste ex-ministro uma solução alternativa.
Assim, nas próximas eleições presidenciais os dois principais partidos políticos irão apoiar candidatos desfasados politicamente das suas direcções nacionais, promovendo desta forma uma campanha eleitoral táctica e sem alma.
A contenda de septuagenários marcada para Janeiro de 2011 (Cavaco e Alegre nasceram ambos na década de 30), evidencia assim a existência de um divórcio entre a Chefia do Estado e o sistema partidário, que não consegue promover candidatos próprios nem produzir novos protagonistas com perfil presidencial; o que curiosamente encaixa em pleno no nosso desenho institucional: aos Partidos o Governo, aos cidadãos individuais a Presidência.
O Governo português anunciou mais um pacote de medidas para combater a crise económica e financeira.
A justificação para a implementação destas medidas, e a principal base da sua legitimação, tem passado frequentemente pela utilização de um discurso supra-nacional: a conjuntura financeira mundial justifica a crise, e as "ordens" de Bruxelas legitimam as soluções. Neste discurso, que indirectamente assume a existência de um Estado Europeu quasi-Federal, a "Europa" é-nos apresentada como neutra, apolítica e sem características ideológicas.
Se assim for, se este centro de decisão político for inócuo ideologicamente, significa que o patamar superior do nosso quadro de referência institucional dispensa interpretações de índole partidária. Nestas condições a tradicional divisão esquerda-direita deixaria de fazer sentido, bem como a existência de partidos políticos. Afinal, se toda a política é imparcial, assexuada, não há conflito nem divergência, somente a aceitação da clarividência da neutralidade.
Claro que na realidade a Europa não é nenhuma entidade sem cor nem cheiro; nem - muito menos - uma instituição sem política ou definição programática. Hoje os destinos da União são comandados de Bruxelas por um governo de direita. Reconhecê-lo significa identificar - claramente - que este pacote de soluções para a crise financeira tem uma marca ideológica assente numa agenda liberal.
Infelizmente, ainda não se interiorizou que não pudemos defender a existência de política partidária, e ideológica, somente ao nível infra-europeu. É imperativo promover um salto cultural que transporte as regras da vida política nacional - assentes no conflito democrático entre partidos políticos - para o patamar da União. Nestas condições, Durão Barroso teria total legitimidade de formar governo; cabendo aos socialistas a decisão de aceitar um bloco central ou remeter-se à oposição, assumindo em ambos os casos a sua posição política. Um Bloco Central vincularia os socialistas às medidas da Comissão; estar na oposição obrigaria combater politicamente o modelo liberal reinante na Europa e a retirar os comissários das cadeiras do poder; ou seja, a se actuar no ‘plateau' europeu como nos palcos nacionais, de forma directa, transparente e democrática.
Infelizmente para a qualidade da nossa democracia ainda se procura manter a ficção de que a construção Europeia deve assentar num permanente e obscuro Bloco Central, edificado numa dinâmica de consenso e não de conflito democrático. Enquanto este paradigma não for alterado, temo que se manterá o embuste dos discursos fáceis que remetem a legitimidade da necessidade da aplicação das medidas liberais consagradas no PEC para a clarividência neutral das instituições europeias.
josereissantos@gmail.com
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José Reis Santos, Historiador
[artigo publicado no dia 25 de Maio 2010]
O Chefe de Estado do Vaticano encontra-se em Portugal. Julgar-se-ia que, por se tratar de uma visita oficial, esta se revestisse de protocolo e encontros de alta política; que remeteriam o Cardeal Ratzinger para os Palácios e edifícios governamentais disponíveis para esse efeito.
Poder-se-ia mesmo, caso fosse do interesse do mais alto representante do micro-Estado encrostado na Cidade Eterna, facilitar-se alguns encontros informais com associações, universidades ou mesmo com amigos. O Estado português, cumprindo protocolo, dedicaria ao ilustre convidado, todas as honras consagradas nos bons manuais de diplomacia, promovendo encontros, cimeiras e jantares de gala; cujos gastos seriam, como natural e desejado, assumidos pelo erário público.
Mas o Cardeal Ratzinger não é um Chefe de Estado convencional. É também o Papa Bento XVI, líder religioso dos Cristãos Católicos; o que transporta a visita agora em curso também para o campo do religioso e do simbólico. Daí as missas campais, a mobilização da sua Igreja e fieis, e a dimensão laudatória da sua visita. Tudo dentro da normalidade esperada, se não fosse a intromissão do Estado nestas celebrações, apoiando financeiramente as mesmas (em quantidades estranhamente não divulgadas) e decretando várias tolerâncias de ponto (que custarão directamente, segundo estudos desenvolvidos, qualquer coisa como 37 milhões de euros por dia); numa altura em que em Portugal se conta e aponta publicamente todo o consumo dos nossos tostões.
Esta dupla intromissão - do Civil no Religioso e no nosso quotidiano - é inadmissível num Estado laico, que se secularizou há quase 100 anos; e que demonstra que pouco se aprendeu, neste último século, acerca da noção de laicidade do Estado e da consagração do direito à liberdade religiosa. O Estado tem, obviamente, que tratar diferenciadamente o religioso do político; com o risco de - se o não fizer - entrar num terreno pantanoso pouco dignificante para um regime civilista e dificilmente associado ao progresso social e civilizacional alcançado nos últimos 35 anos.
A missa que hoje se celebra no Terreiro do Paço transporta-nos também inevitavelmente para outros tempos, onde a mesma Praça consagrava um regime com características assumidamente autoritárias, aclamando um brando ditador católico. Nesse tempo, o regime organizava-se de forma a produzir um espectáculo legitimador com sucesso garantido: decretava tolerância de ponto à função pública, manipulava as suas organizações para que - de forma peregrina - marcassem presença, e requisitava todos os meios de transporte disponíveis (de comboios especiais, a autocarros e barcos) de forma a garantir uma entusiasta presença maciça.
Hoje, e perante a grave situação vivida pela Igreja Católica, que tem procurado sobreviver a diversos escândalos financeiros e morais, e que teima em se apresentar desassociada da realidade social do século XXI (basta recordar as posições acerca do uso do preservativo, da pílula, da interrupção voluntária da gravidez ou do casamento entre pessoas do mesmo género), a verdade é que a ocupação simbólica que decorre na Praça do Comércio recorda-nos mais os tempos do PREC que o Estado Novo. É fumaça que nos oferecem...
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José Reis Santos, Historiador
[artigo de dia 11 de Maio de 2010]
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