Recentemente, um colega – Diego Palacios Cerezales – defendeu e publicou uma interessantíssima tese de doutoramento sobre as relações da população portuguesa com o Estado, através da análise da História das políticas de ordem pública do Liberalismo à Democracia.
No livro em causa (Portugal à Coronhada. Protesto popular e ordem pública nos séculos XIX e XX, Tinta da China, 2011) são desmistificados os brandos costumes do povo português que, contrariamente à percepção construída - nomeadamente durante o Estado Novo - tradicionalmente sempre se indignou contra o que entendia ser o abuso do Estado.
Contrariamente ao ocorrido em países de elevada prosperidade, onde muitas das causas da indignação popular assentavam em demandas de cidadania (acesso ao voto e às decisões políticas por parte de franjas da população), boa parte da conflictualidade popular portuguesa assentava em razões ligadas à carestia, à fome e à imposição da administração do Estado (cobrança de impostos). E é estimulante verificar que desde o nosso liberalismo assistimos à aliança de formas tradicionais e modernas de expressão dessa mesma indignação. Assim, às "Marias da Fonte" convocadas a rebate dos sinos, às interpelações junto das elites locais para intercederem junto do poder central, ao saque de edifícios e arquivos públicos adicionaram-se ao longo do século XIX novas formas de mobilização popular, como recolha de assinaturas e organização de petições, comícios, concentrações, e mais tarde, a promoção de greves.
Recordei-me deste nosso historial quando, deparado com os brutais eventos da última semana, verifiquei que a nossa polícia de segurança pública havia regressado ao uso de tácticas de dispersão coercivas totalmente desadaptadas às características dos modernos Estados de Direito só explicadas por se sentir resguardada - directa e indirectamente - pelo actual governo, que assim tacitamente apoiou a brutalidade aplicada a manifestantes anónimos, jornalistas e transeuntes, em pleno centro da cidade de Lisboa. E felizmente que há muito trocaram as espingardas pelo bastões, senão tal mole teria sido corrida à coronhada, e não à bastonada. O País (e o mundo) tiveram assim a oportunidade de assistir a um retrocesso inaceitável a formas de violência policial mais condizentes com outras fórmulas de poder político, que não a Democracia.
Mas não se julgue que o monopólio do uso gratuito da violência tem sido exclusivo da polícia púbica. Segundo muitos relatos, também os homens fardados da CGTP aplicaram força bruta para controlar alguns manifestantes que consideraram desalinhados, o que nos remete para uma reflexão acerca do papel dos sindicatos no actual panorama político-social, a sua percepção de domínio e controlo totalizante da indignação popular e dos movimentos sociais e, pior, a sua intolerância perante quem não alinhe com a sua linha de conduta.
E estávamos perante uma manifestação de pequenas dimensões, pacífica. O que acontecerá, questiono-me, quando o povo português se recordar de tocar os sinos a rebate? Regressará a coronhada?
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